Para quem não está por dentro do método CED
(Capturar-Esterilizar-Devolver), ver um grupo de pessoas na rua, com
armadilhas, transportadoras, toalhas, garrafas de coca-cola de 1L, corda e
latas de atum, que se sentam em silêncio, escondidas, à espera que os gatos
apareçam, por vezes a chover e elas de óculos de sol, é uma experiência no mínimo desconcertante. As expressões faciais
variam entre simples surpresa, confusão, incredulidade, choque, confusão, e até
indignação.
Mas então o que é isto de andar a capturar gatos com
armadilhas? O que é o CED?
O CED é um método humano e eficaz de controlo populacional
de animais errantes. O mais humano e o mais eficaz.
É usado maioritariamente em colónias de gatos, mas também em
matilhas (embora este assunto tenha outras ramificações, fica para a próxima).
Porque é que se faz o CED? Qual o seu propósito?
Que pessoas são estas que andam a apanhar gatos da rua e a
estragar os animais esterilizando-os e ainda por cima a mutilá-los
cortando-lhes as orelhas? Estes disparates são apenas um pequeno exemplo do que
ouvimos ao fazer este trabalho. Outro disparate muito ouvido é de que os
animais foram feitos para estar na rua, foram feitos para procriar e andar à
sua vontade e nós não temos o direito de andar a brincar de Deus.
Quem faz parte da causa animal, seja trabalhando com resgate
e adopção de animais abandonados ou trabalhando com esterilização de animais
errantes, sabe o quanto é importante a esterilização dos animais de companhia.
Há demasiados animais de companhia, ponto. Não há pessoas
suficientes para adoptar todos os animais abandonados, em abrigos, nos canis.
Há abandonos constantes de animais. Depois ainda há quem compre animais. É um
ciclo interminável.
Para além disto, os animais que vemos na rua (e os que não
vemos) não são todos animais abandonados. A maior parte deles são animais que
já nasceram nas ruas, fruto do abandono de algum animal é certo, mas muitos são
fruto do abandono de um animal há já muito tempo. São os chamados animais
silvestres, cães ou gatos.
Um gato silvestre é um gato fisica e geneticamente idêntico
ao nosso gato de casa, é na mesma um animal doméstico, é na mesma um felis
silvestris catus, não confundamos silvestre com selvagem (pode parecer básico,
mas acreditem que também acontece a algumas pessoas). Também não confundamos
silvestre com bravo, um gato silvestre não é um animal possuído que nos vai
atacar se lhe tentarmos fazer uma festinha ao passar por ele na rua e
deixar-nos a esvair em sangue. Não, ele vai é fugir. Um gato silvestre não é
automaticamente um gato agressivo, não é o seu temperamento que define se ele é
silvestre ou não.
Qual é então a diferença entre um gato silvestre e um gato
dócil? A diferença essencial entre um gato silvestre e um gato dócil (e é
aqui que se encontra o pepino senhoras e senhores, é aqui que o parto custa a
acontecer e às vezes tem de ser a ferros) é que um gato silvestre não aprecia,
não aceita e não procura contacto humano. É isto gente. Os animais
silvestres não querem nada connosco. São animais que nunca foram socializados
nem manuseados por pessoas e que logicamente não estão habituados ao contacto humano. Continuam a depender de nós, mas não permitem que nos
aproximemos.
Os animais que vemos na rua podem ser dóceis, podem ser
assilvestrados, podem ser silvestres, enfim, não é tudo a preto e branco, há
animais que foram abandonados e com o tempo ficaram assilvestrados, mas que com
alguma paciência poderiam voltar a apreciar contacto humano, há animais
silvestres que não querem nada com ninguém, mas que até se deixam tocar pelos
seus cuidadores (uma espécie à parte os cuidadores, falarei em maior profundidade noutra
altura), há animais que até se deixam tocar, mas se os metemos numa casa são
infelizes ou até miam incessantemente até os devolvermos ao seu
meio, enfim, há algumas zonas cinzentas que temos de saber identificar.
Mas há algo que é completamente preto e branco para quem se
dedica ao CED de corpo e alma e para quem nele acredita:
O lugar dos animais dóceis é em casa, o lugar dos animais
silvestres é na rua.
A violência de que um animal dócil é alvo ao ser abandonado,
ao ser colocado na rua, sujeito aos perigos, aos outros animais, ao frio, à
chuva, sem contacto humano, sem conforto, é exactamente equiparável à violência
que atinge um animal silvestre ao ser colocado numa casa, fechado, sem a sua
liberdade, forçado a um contacto humano que não aprecia e que o deixa em
pânico.
Isto senhoras e senhores, é absolutamente preto e branco e é
o tal parto difícil que vemos diariamente, mesmo dentro da causa animal, pois
nem todos os que cá andamos temos o bem-estar do animal em mente, ou mesmo que
tenhamos, nem todos sabemos exactamente em que consiste esse bem-estar, não só
físico, como psicológico.
Agora que sabemos o que é um gato silvestre (vou deixar os
cães de fora até uma próxima), porque é que fazemos este trabalho? Porquê
capturá-los, esterilizá-los, cortar-lhes a ponta da orelha esquerda (há
espertos que fazem do lado direito mas não vamos ligar a esses) e devolvê-los?
Devolvê-los! Sim, porque a par das pessoas que dizem que os animais pertencem
todos à rua e que deveríamos era estar todos quietos e deixá-los andar, há
também as pessoas que acham que os animaizinhos coitadinhos, têm de sair todos
da rua, irem todos para abrigos, refúgios utópicos e paradisíacos, para casas
nem que seja tudo ao molhe e fé em deus, sem condições e todos em stress
constante por serem animais por natureza solitários e territoriais e serem
obrigados a dividir o espaço, fechado, com dezenas de outros.
Nós esterilizamos animais, porque esterilizar é proteger.
Esterilizamos animais porque vemos diariamente as ninhadas a morrer, os animais
a sofrerem nas ruas, as gatas com infecções de útero e tumores mamários, vemos
os atropelamentos, os envenenamentos, vemos a crueldade, vemos os ferimentos, as
mortes atrozes.
Acima de tudo, esterilizamos porque vemos o futuro.
Acima de tudo, esterilizamos porque vemos o futuro.
Porque olhamos para uma gata gestante e vemos o futuro. Vemos
o futuro daquela gata, das crias dela, das futuras crias das crias dela, das
futuras crias das crias das crias dela e sempre assim até ao infinito, porque é
isso, é o infinito, é um ciclo interminável de procriação e sofrimento.
E pode parecer contraditório eu dizer "o lugar dos
animais silvestres é na rua" e depois mais à frente dizer que
esterilizamos para que não sofram na rua. Mas não é. É apenas lógico. O lugar
deles é na rua porque já lá estão e já lá nasceram. Não significa que seja o ideal ou que queiramos isso para os animais que ainda não
nasceram, não queremos, e por isso esterilizamos.
E agora que já está explicado porque é que estragamos
animais, falta explicar porque é que os mutilamos. Porque raios andamos a
cortar bocados de orelhas às pobres criaturas.
O corte da ponta da orelha esquerda, é o sinal internacional
que identifica um animal esterilizado. Ele é feito sob anestesia quando o
animal está na cirurgia e é indolor. Eu não posso afirmar a 100% pois não sou
gato e não tenho corte, mas imagino que seja o equivalente a fazermos um furo
na orelha, com a vantagem de que o gato está a dormir quando isso acontece,
pelo que não sente absolutamente nada.
É o método de identificação mais eficaz e seguro que existe
no momento e é essencial para quem trabalha na causa animal saber identificar quais animais já foram esterilizados. É algo que os protege de intervenções desnecessárias (no caso das fêmeas por exemplo, só anestesiando e abrindo de novo é que o veterinário pode efectivamente comprovar que a mesma já está esterilizada) e de mais stress e também algo que os protege de serem capturados por canis, pelo menos nos municípios em que estes respeitam o trabalho de associações, que felizmente, cada vez vão sendo mais.
Eu capturo gatos, logo, tenho consciência do flagelo que é a superpopulação de animais de companhia.
Não andamos a brincar às crazy cat ladies. Este trabalho é para mim o que de mais importante já fiz, irei fazê-lo até ao meu último suspiro, ou até esterilizar os animais errantes de Portugal inteiro, o que acontecer primeiro.
Trago na pele a imagem desta ideia que defendo e não há um segundo sequer em que duvide de que é este o caminho a percorrer para acabar com o sofrimento dos animais que vivem nas ruas.
Esterilizar é proteger.
[Scientia potentia est]
Eu capturo gatos, logo, tenho consciência do flagelo que é a superpopulação de animais de companhia.
Não andamos a brincar às crazy cat ladies. Este trabalho é para mim o que de mais importante já fiz, irei fazê-lo até ao meu último suspiro, ou até esterilizar os animais errantes de Portugal inteiro, o que acontecer primeiro.
Trago na pele a imagem desta ideia que defendo e não há um segundo sequer em que duvide de que é este o caminho a percorrer para acabar com o sofrimento dos animais que vivem nas ruas.
Esterilizar é proteger.
[Scientia potentia est]