segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Do voluntariado

Não posso presumir saber o que é o voluntariado para as restantes pessoas. Tenho a certeza de que todas têm diferentes motivações, objectivos, inspirações.
De minha parte, o caminho percorrido até ao voluntariado foi um caminho aleatório. Não albergava em mim um desejo crescente de ser voluntária.
Como referi anteriormente, os meus próprios medos interiores me impediam de me juntar à causa animal. Obviamente que há muitas outras áreas que pedem voluntariado, mas foi sempre algo que pensei que era tão bonito de se fazer que estava na lista do platónico, do hipotético, do utópico. Fui sempre percorrendo outros caminhos, caminhos esses que iam dar sempre a mim, ao que eu precisava, ao que eu queria, ao que eu sonhava, ao que me angustiava, sempre numa linha egoísta e narcisista, ainda que inocentemente, pois sempre acreditei que não era uma pessoa que só pensava em si. E efectivamente sempre pensei muito nos outros, sempre sofri muito a pensar no que os outros sofriam, como ainda sofro, porque penso, porque sinto, ainda que não queira, tenho verdadeiramente uma grande empatia em mim, sofro pelo outro. Mas por mais que pensasse nos outros, em última instância, pensava sempre em como é que determinada situação me iria afectar, não saía nunca da minha pele, não tinha capacidade de me colocar na pele do outro, era verdadeiramente deficiente, socialmente falando. Tenho uma grande capacidade de analisar pessoas. Os seus comportamentos, as suas expressões, a sua personalidade, prever até certas atitudes, sempre fui muito observadora, a condição humana sempre me intrigou e ironicamente conseguia analisar, mas depois não me era possível compreender, porque via apenas através dos meus olhos, do meu contexto, com as minhas ideias pré-concebidas, com os meus preconceitos. Gosto de pensar que já não sou totalmente assim, embora tenha ainda um grande caminho a percorrer.
Não procurei o voluntariado, ele encontrou-me. Penso que é também por isso que o que sinto por este trabalho agora é tão verdadeiro. Não senti em mim a necessidade de ser altruísta, aliás, penso que voluntariado é muito mais do que altruísmo ou a necessidade de nos sentirmos altruístas, pois também é isso que move algumas pessoas, o voluntariado é uma forma de escape, uma forma de sentirem que fazem algo pela sociedade, não porque necessariamente o queiram fazer, mas porque não gostam de como se sentem ao não fazer nada. Mas como disse, existirão tantas motivações quanto existem pessoas. Eu posso falar apenas da minha, a minha motivação era inexistente. Tropecei num caso, quis seguir o mesmo e quando ele estava resolvido já era tarde demais, estava presa no anzol, tinha de continuar a fazer aquilo, não porque era voluntariado, mas porque era a resposta para toda a minha inadequação social, o trabalho fazia sentido para mim, tinha tantas implicações sociais e humanas e no seu centro estavam os animais, podia ajudar os animais, prevenir sofrimento, não apenas agir depois do mesmo acontecer, pensar a longo prazo, pensar no futuro, proteger, educar, lidar com pessoas, sendo os colegas ou as pessoas de fora, que cuidam dos animais, que contactam a associação, fazer a tal diferença de que toda a gente fala. Mas incrivelmente, o que tenho vindo a descobrir nestes 11 meses desde que me juntei à associação, é que a maior diferença está em mim. Em 27 anos pouco ou nada fui modificando na minha forma de pensar, fui sempre muito teimosa, com visão de túnel, solitária, isolada, acreditando sempre que a minha forma de fazer as coisas era a melhor e nada aberta às outras pessoas, a outros pensamentos, a outras visões. Nestes 11 meses já cresci incomensuravelmente e continuo a crescer, a aprender e a evoluir. Não posso dizer que não continue com as minhas características marcadas, continuo, continuo a ter dificuldades em trabalhar em equipa, continuo a refugiar-me no meu canto, continuo a ter dificuldades em ser tolerante com as falhas alheias (tal como o sou com as minhas), continuo algo isolada e solitária. Mas tenho muito mais capacidade de me colocar na pele do outro, de compreender as suas motivações, de sentir mais do que empatia, uma ligação emocional que me torna parte de algo maior do que eu. Já não sou uma ilha. Descobri que tenho uma grande capacidade para lidar com pessoas se assim mo permitir, que sei conversar, que sei ouvir, que sei falar, respeitar e compreender. Penso que as mudanças ainda estão tão por dentro, que se calhar as pessoas que convivem comigo ainda não notam diferenças. Mas por dentro, ninguém tem bem a noção do quanto tudo está diferente e em constante mudança e evolução, tenho um autêntico big bang a acontecer em mim e ainda que lentamente, vou renascendo.
Ser voluntária, não significa nada. Voluntariado é apenas um nome. Não é altruísmo, ou pelo menos, quanto a mim, não deveria ser. É só mais uma faceta de alguém, alguém que fora daquele contexto tem muitas outras coisas. Encontrei esta definição de voluntariado, entre muitas, e penso que traduz exactamente aquilo que penso do mesmo:
O voluntariado é uma actividade inerente ao exercício de cidadania que se traduz numa relação solidária para com o próximo, participando, de forma livre e organizada, na solução dos problemas que afectam a sociedade em geral.

A parte mais gritante para mim é " é uma actividade inerente ao exercício de cidadania ", pois é precisamente assim que o vejo agora. Olhando para trás, não me faz sentido que tenha demorado tantos anos a fazer um trabalho que realmente signifique algo e que traduza aquilo que penso como cidadã. E é precisamente isso, ser-se cidadão. que deveria estar na base de qualquer motivação, ainda que inconscientemente. Participar na solução dos problemas que afectam a sociedade em geral. É isto, não poderia dizer melhor. Não interessa o nome que se lhe dá, somos cidadãos que participam na solução dos problemas que afectam a nossa sociedade. Obviamente que poderia pôr-me aqui a divagar sobre qual a melhor forma de fazer isto, sobre se todos os tipos de voluntariado ajudam a sociedade em geral ou apenas pessoas individuais, mas isso são reflexões para ocasiões futuras.

O mais importante no voluntariado é, não o que ele faz por nós, mas o que ele faz pelos outros. É isto que nos é incutido, o voluntariado é altruísta. Para mim, o voluntariado tem tantas facetas que nunca será possível concordarmos numa única definição. Mas na minha experiência, faz tanto pelos outros como faz por mim e pela minha forma de ver os outros e de ver o mundo, de o admirar e de o tentar compreender, de fazer a minha parte para o melhorar e deixar que ele melhore a pessoa que sou e altere a forma como me vejo.


[Vanitas vanitatum, et omnia vanitas]

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