segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Eu gosto de animais, logo, não gosto de pessoas

Esta falácia é infelizmente considerada verdadeira por muitas pessoas, de um lado e do outro da questão. Pelas pessoas que gostam de animais, pelas que não gostam e pelas que andam no meio.
É uma lógica muito perigosa e errada. É errada, pois não podemos simplesmente presumir que as pessoas que gostam muito de animais, ainda que por vezes de uma forma radical e excessiva, não têm em si a capacidade de empatizar com com os seus semelhantes. E perigosa, quando essas mesmas pessoas começam a acreditar nesta máxima e se deixam levar pelas acções que vêem e julgam todos os humanos da mesma forma.
"Animais vs Humanos" é conceito que não existe, que não pode existir, em qualquer contexto, mas sobretudo na causa animal. Pode parecer contraditório, visto que directa ou indirectamente, quase todo o sofrimento animal é causado pelo Homem. Seja ele em forma de abandono, crueldade, uso para alimentação, entretenimento, saúde, destruição de habitat, etc. Somos responsáveis e criadores de todos os problemas da causa animal actualmente existentes. Por isso é normal as pessoas que mais assistem a todo o tipo de situações atrozes sentirem desvanecer em si a capacidade de compreender e perdoar o outro. É muito fácil ceder ao desespero, à desconfiança, ao ódio até, tomar o todo pela parte, generalizar e deixar de acreditar no bem intrínseco da humanidade.
É também muito fácil para as pessoas que não estão tão envolvidas na causa, ou que não procuram a companhia de um animal (não querendo dizer que não gostam de animais), julgar que todos os que fazem parte da causa animal e que tiram animais das ruas, alimentam animais nas ruas, andam por aí de armadilhas, a cuidar, a esterilizar, a tratar, a adoptar, são maluquinhos que não se dão com gente e que não sabem viver em sociedade, e daí procuram a companhia animal.
Por tudo aquilo que eu vejo, acredito que quem sente empatia por animais, sente também pelos seus semelhantes, tem essa capacidade, se não ceder ao pessimismo, se não perder a esperança na bondade humana. E por sua vez, pessoas que não sentem qualquer tipo de empatia por animais e obviamente aquelas que não têm qualquer problema em maltratá-los, abandoná-los à sua sorte, matá-los até, muito dificilmente terão em si uma grande empatia para com a humanidade em geral...
Obviamente que mesmo eu aqui estou a generalizar e quem faz parte da causa animal, sabe bem que não é só por gostarmos de animais que isso nos torna automaticamente boas pessoas...
Não temos todos de ter 20 gatos em casa, não temos todos de andar a alimentar animais na rua, não temos todos de ser voluntários em associações da causa. Temos todos sim, de respeitar todas as vidas, sejam elas humanas ou não. Temos de valorizar cada vida. Ou troco de verbo, não temos, mas na minha opinião, devemos. Empatizar com o outro, seja ele o nosso vizinho idoso que mora sozinho, ou o cão do outro vizinho, é apenas um passo para sermos melhores vizinhos, melhores amigos, melhores humanos.
A causa animal é uma causa que mexe com as entranhas, que mexe com sentimentos, com ideias, ideais, filosofias de vida. Há pessoas sensatas, há pessoas radicais, há pessoas maravilhosas, há pessoas horríveis, há pessoas que lutam, há pessoas que só fazem que lutam, há pessoas que ajudam, há pessoas que atrapalham, há pessoas que realmente gostam de animais e há pessoas que se infiltram na causa por todos os motivos, menos os animais. Há um mundo de diferenças. Mas também de semelhanças. E às vezes esquecemo-nos disso. Eu por mim falo. Por vezes esquecemo-nos de que aquilo que nos une, é muito maior, ou deveria ser, do que aquilo que nos separa. Somos tantos nesta causa, a nossa força seria tão massiva se fôssemos uma única voz, que tantas vezes as pessoas que boicotam a causa animal são as que fazem parte da causa animal.
Somos muitas vezes incompreendidos, sim, somos muitas vezes julgados e muitas vezes impedidos de avançar. E tantas outras vezes viramo-nos uns para os outros, uns contra os outros, em vez de darmos os braços e nos virarmos na mesma direcção. Esquecemo-nos que o outro é igual a nós, ainda que seja diferente, ainda que o seu método seja diferente, ainda que tenha ideias diferentes.
Não somos uns fanáticos, nós os da causa animal. Somos humanos e vamos tentando permanecer humanos.
Para aquelas pessoas que dizem "eu preferia salvar um animal do que uma pessoa" ou "eu preferia salvar uma pessoa do que um animal" ou "quanto mais conheço as pessoas, mais gosto de animais" ou então "um animal não vale uma vida humana", por favor, a todos, não digam disparates. Não manifestem preconceitos hipotéticos. Porque isso é tudo hipotético e generalista e não faz sentido nenhum. As ocasiões em que alguém é confrontado efectivamente com uma escolha e tem de escolher entre salvar um humano ou um animal, não são assim vulgares nem acontecem com uma frequência que justifique esse tipo de raciocínio, talvez na Idade da Pedra fosse assim. Todas estas expressões são hipotéticas e irrelevantes, para além de perigosas e só perpetuam esta dicotomia falsa, que não tem de existir. Não tem de ser "animais ou pessoas". Não temos de ajudar só animais ou só pessoas. Isto não é uma escolha a que somos obrigados, não é um confronto. Cada pessoa tem em si espaço para tudo, podemos ser tudo o que desejamos ser e conter em nós sentimento que chega para todos. Podemos ir ao canil adoptar um animal em risco e ao chegarmos a casa carregarmos as compras do nosso vizinho idoso. Podemos ajudar uma associação da causa animal e uma que ajude pessoas. Podemos promover a união entre associações que ajudam animais e associações que ajudam pessoas. Podemos ensinar os nossos filhos a respeitar o seu semelhante e a respeitar todas as formas de vida. Ensinar que não é correcto usar violência contra o seu semelhante ou contra outros animais. Não temos de escolher e não temos de criar uma linha divisória invisível que separa quem se dedica aos animais e quem se dedica às pessoas. Isso não existe. Não criem muros impenetráveis, criem pontes.

Eu gosto de animais. E também gosto de pessoas. É mais fácil lidar com animais? É, sem dúvida. Mas também sinto falta de conversas, de toque, de calor humano. E então convivo com animais.  E convivo com pessoas. E por isso não me falta nenhum pedaço. O melhor do mundo são os animais. E as pessoas. As pessoas não são perfeitas, perfeição é um conceito abstracto que só serve para ansiarmos por algo que nunca chegará. Às vezes é bom para nos fazer continuar a procurar mais e mais. Mas por vezes também nos rouba a capacidade de apreciarmos o que já temos à nossa volta.
Eu cada dia aprendo mais sobre os animais. E cada dia tento aprender mais sobre as pessoas, saber lidar melhor com elas e comigo, com as falhas delas e com as minhas.

Não é fácil ser-se humano, porque isso implica trabalharmos sempre para não deixarmos de o ser. Ser-se humano é um trabalho para a vida toda.


[Sol lucet omnibus]

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