Esta falácia é infelizmente considerada verdadeira por
muitas pessoas, de um lado e do outro da questão. Pelas pessoas que gostam de
animais, pelas que não gostam e pelas que andam no meio.
É uma lógica muito perigosa e errada. É errada, pois não
podemos simplesmente presumir que as pessoas que gostam muito de animais, ainda
que por vezes de uma forma radical e excessiva, não têm em si a capacidade de
empatizar com com os seus semelhantes. E perigosa, quando essas mesmas pessoas
começam a acreditar nesta máxima e se deixam levar pelas acções que vêem e
julgam todos os humanos da mesma forma.
"Animais vs Humanos" é conceito que não existe,
que não pode existir, em qualquer contexto, mas sobretudo na causa animal. Pode
parecer contraditório, visto que directa ou indirectamente, quase todo o
sofrimento animal é causado pelo Homem. Seja ele em forma de abandono,
crueldade, uso para alimentação, entretenimento, saúde, destruição de habitat,
etc. Somos responsáveis e criadores de todos os problemas da causa animal
actualmente existentes. Por isso é normal as pessoas que mais assistem a todo o
tipo de situações atrozes sentirem desvanecer em si a capacidade de compreender
e perdoar o outro. É muito fácil ceder ao desespero, à desconfiança, ao ódio
até, tomar o todo pela parte, generalizar e deixar de acreditar no bem
intrínseco da humanidade.
É também muito fácil para as pessoas que não estão tão
envolvidas na causa, ou que não procuram a companhia de um animal (não querendo
dizer que não gostam de animais), julgar que todos os que fazem parte da causa
animal e que tiram animais das ruas, alimentam animais nas ruas, andam por aí
de armadilhas, a cuidar, a esterilizar, a tratar, a adoptar, são maluquinhos
que não se dão com gente e que não sabem viver em sociedade, e daí procuram a
companhia animal.
Por tudo aquilo que eu vejo, acredito que quem sente empatia
por animais, sente também pelos seus semelhantes, tem essa capacidade, se não
ceder ao pessimismo, se não perder a esperança na bondade humana. E por sua
vez, pessoas que não sentem qualquer tipo de empatia por animais e obviamente
aquelas que não têm qualquer problema em maltratá-los, abandoná-los à sua
sorte, matá-los até, muito dificilmente terão em si uma grande empatia para com
a humanidade em geral...
Obviamente que mesmo eu aqui estou a generalizar e quem faz
parte da causa animal, sabe bem que não é só por gostarmos de animais que isso
nos torna automaticamente boas pessoas...
Não temos todos de ter 20 gatos em casa, não temos todos de
andar a alimentar animais na rua, não temos todos de ser voluntários em
associações da causa. Temos todos sim, de respeitar todas as vidas, sejam elas
humanas ou não. Temos de valorizar cada vida. Ou troco de verbo, não temos, mas
na minha opinião, devemos. Empatizar com o outro, seja ele o nosso vizinho
idoso que mora sozinho, ou o cão do outro vizinho, é apenas um passo para
sermos melhores vizinhos, melhores amigos, melhores humanos.
A causa animal é uma causa que mexe com as entranhas, que
mexe com sentimentos, com ideias, ideais, filosofias de vida. Há pessoas
sensatas, há pessoas radicais, há pessoas maravilhosas, há pessoas horríveis,
há pessoas que lutam, há pessoas que só fazem que lutam, há pessoas que ajudam,
há pessoas que atrapalham, há pessoas que realmente gostam de animais e há
pessoas que se infiltram na causa por todos os motivos, menos os animais. Há um
mundo de diferenças. Mas também de semelhanças. E às vezes esquecemo-nos disso.
Eu por mim falo. Por vezes esquecemo-nos de que aquilo que nos une, é muito
maior, ou deveria ser, do que aquilo que nos separa. Somos tantos nesta causa,
a nossa força seria tão massiva se fôssemos uma única voz, que tantas vezes as
pessoas que boicotam a causa animal são as que fazem parte da causa animal.
Somos muitas vezes incompreendidos, sim, somos muitas vezes
julgados e muitas vezes impedidos de avançar. E tantas outras vezes viramo-nos
uns para os outros, uns contra os outros, em vez de darmos os braços e nos
virarmos na mesma direcção. Esquecemo-nos que o outro é igual a nós, ainda que
seja diferente, ainda que o seu método seja diferente, ainda que tenha ideias
diferentes.
Não somos uns fanáticos, nós os da causa animal. Somos
humanos e vamos tentando permanecer humanos.
Para aquelas pessoas que dizem "eu preferia salvar um
animal do que uma pessoa" ou "eu preferia salvar uma pessoa do que um
animal" ou "quanto mais conheço as pessoas, mais gosto de
animais" ou então "um animal não vale uma vida humana", por
favor, a todos, não digam disparates. Não manifestem preconceitos hipotéticos.
Porque isso é tudo hipotético e generalista e não faz sentido nenhum. As
ocasiões em que alguém é confrontado efectivamente com uma escolha e tem de
escolher entre salvar um humano ou um animal, não são assim vulgares nem
acontecem com uma frequência que justifique esse tipo de raciocínio, talvez na
Idade da Pedra fosse assim. Todas estas expressões são hipotéticas e
irrelevantes, para além de perigosas e só perpetuam esta dicotomia falsa, que
não tem de existir. Não tem de ser "animais ou pessoas". Não temos de
ajudar só animais ou só pessoas. Isto não é uma escolha a que somos obrigados,
não é um confronto. Cada pessoa tem em si espaço para tudo, podemos ser tudo o
que desejamos ser e conter em nós sentimento que chega para todos. Podemos ir
ao canil adoptar um animal em risco e ao chegarmos a casa carregarmos as
compras do nosso vizinho idoso. Podemos ajudar uma associação da causa animal e
uma que ajude pessoas. Podemos promover a união entre associações que ajudam
animais e associações que ajudam pessoas. Podemos ensinar os nossos filhos a
respeitar o seu semelhante e a respeitar todas as formas de vida. Ensinar que
não é correcto usar violência contra o seu semelhante ou contra outros animais.
Não temos de escolher e não temos de criar uma linha divisória invisível que
separa quem se dedica aos animais e quem se dedica às pessoas. Isso não existe.
Não criem muros impenetráveis, criem pontes.
Eu gosto de animais. E também gosto de pessoas. É mais fácil
lidar com animais? É, sem dúvida. Mas também sinto falta de conversas, de
toque, de calor humano. E então convivo com animais. E convivo com pessoas. E por isso não me
falta nenhum pedaço. O melhor do mundo são os animais. E as pessoas. As pessoas
não são perfeitas, perfeição é um conceito abstracto que só serve para
ansiarmos por algo que nunca chegará. Às vezes é bom para nos fazer continuar a
procurar mais e mais. Mas por vezes também nos rouba a capacidade de
apreciarmos o que já temos à nossa volta.
Eu cada dia aprendo mais sobre os animais. E cada dia tento
aprender mais sobre as pessoas, saber lidar melhor com elas e comigo, com as
falhas delas e com as minhas.
Não é fácil ser-se humano, porque isso implica trabalharmos
sempre para não deixarmos de o ser. Ser-se humano é um trabalho para a vida
toda.
[Sol lucet omnibus]
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